sábado, junho 28, 2008

De que forma o projecto “Lisboa - Capital do Nada” contribui para a Coesão Social?

Contextualização:

A «coesão social» é um chavão da linguagem da União Europeia, conhecida entre alguns como “Europês”. Só que esta expressão não surge isolada, é mais conhecida como “coesão económica e social da União Europeia”. O facto de aparecer primeiro o factor económico explica melhor o que se pretende com esta política, que foi aprofundada e interligada com a problemática da globalização pela «estratégia de Lisboa».

Na redacção dada pelo Acto Único Europeu (1986), o Tratado de Roma passou a incluir no art.3º, onde são apresentadas as competências da Comunidade, na alínea k) “O reforço da coesão económica e social”.

É definida no glossário da UE (2008 - antes da alteração dada pelo tratado de Lisboa) da seguinte forma: “A coesão económica e social exprime a solidariedade entre os Estados-Membros e as regiões da União Europeia. Favorece o desenvolvimento equilibrado do território comunitário, a redução das diferenças estruturais entre as regiões da União, bem como a promoção de uma verdadeira igualdade de oportunidades entre as pessoas. Concretiza-se através (…) Fundos Estruturais e do Fundo de Coesão.”

De facto, o desenvolvimento equilibrado do território comunitário é tido como o objectivo estratégico mais importante desta política. Durante muitos anos pensava-se que o desenvolvimento rural era um trade off em relação ao desenvolvimento global, mas os vários estudos realizados, e diga-se, algum bom-senso, inverteram esta linha de pensamento. Isto aconteceu porque se percebeu que os custos envolvidos com as deseconomias provocadas pela concentração das pessoas em grandes aglomerados seriam muito mais elevados do que a sua maior distribuição pelo território. Sendo que, com as tecnologias da informação isto se tornou absolutamente viável.

Ou seja, teoricamente, o que se pretende é que todo o investimento feito na Coesão (que inclui a Convergência, Competitividade regional e emprego e a Cooperação territorial) seja tal como Samuelson o define; “um sacrifício do consumo actual para aumentar o consumo futuro” e que agora com uma população de 500 milhões de habitantes, num território coeso e com uma economia competitiva a União Europeia faça face às maiores potências económicas do mundo e possa ambicionar a se tornar a primeira.

De referir que isto tem muitas concretizações práticas, sendo para isso necessário dinheiro. Muito dinheiro! Agregado em fundos como o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e o Fundo Social Europeu (FSE).

Para este ano de 2008, a parcela do orçamento da UE destinada ao “crescimento sustentável” é a maior, com 58 mil milhões de euros (44,9% do orçamento total). Isto nunca tinha acontecido e deve-se à entrada dos novos países de Leste que apresentam grandes disparidades face à média europeia.

O problema é que dentro desta parcela cabem muitos objectivos, e a “agenda social” tem “apenas” 200 milhões de euros (0,2% do orçamento total). Digo apenas porque se aplica a 27 países e tem entre as mais baixas dotações financeiras do orçamento, juntamente com o Ambiente (0,3%), Democracia e Direitos Humanos (0,1%) e o Instrumento de Estabilidade (0,2%).

Feita esta introdução já se pode voltar à pergunta de partida.

A iniciativa “Lisboa Capital do Nada” da associação Extramuros, é descrita pelo Ministério da Cultura, o principal patrocinador do projecto, da seguinte forma:

“A iniciativa Lisboa Capital do Nada teve lugar no mês de Outubro e incluiu a realização de eventos no espaço público com o objectivo de contribuir para uma discussão alargada acerca dos valores e imagens que caracterizam o mundo e a sociedade contemporâneos. O tema "O Nada" foi o pretexto para convidar um conjunto de artistas, fotógrafos, arquitectos e de pessoas de diversas origens disciplinares de forma a discutirem vias de desmarginalização da freguesia de Marvila.” [1]

A comparticipação foi de 62%, através do FEDER.

Começando pelo nome da iniciativa, que acho interessante, não posso deixar de criticar o facto de não ser claro nos seus objectivos e no domínio de aplicação. Não sei se as iniciativas foram mesmo só na freguesia de Marvila, ou se aconteceram noutros pontos da cidade. Caso só tenha sido no bairro, porquê a generalização e não incluir o nome do bairro?

As iniciativas foram sem dúvida inovadoras e interessantes. “Dar as mãos por nada” é uma bela ideia. O facto dos alunos da escola privada terem aderido à iniciativa tornou-a muito mais interessante
(...)
Os “heróis do bairro” (...) Mostrou às pessoas que atravessam a freguesia nas suas cápsulas (automóveis e autocarros) que ali vivem pessoas com iniciativa e espírito de missão. Deu humanidade a um território frio e que é de certa forma árido, quer pela arquitectura quer pela forma como as habitações estão distribuídas pelo espaço, fissurado por imponentes viadutos de betão. (...)

Penso que, no geral, a iniciativa foi importante para o reforço dos laços entre os habitantes, e também para a melhoria da imagem de Marvila aos olhos dos outros habitantes de Lisboa.

(...)O facto de não tirem ficado obras perenes, é um ponto negativo.
Uma boa forma de construir e manter essa pequena floresta urbana, era criando uma sinalética com o nome das pessoas que plantaram as árvores, ficando estas também responsáveis pela sua supervisão e tratamento.

O facto de ser uma iniciativa efémera, limitada a um tempo determinado não seria sequer criticável, caso existissem normalmente outras iniciativas nestes bairros. O problema é isso raramente acontecer...

Se esta série de eventos contribui para a coesão social? Sem sombra de dúvidas que sim. Poderiam era ter imaginado formas de levar mais pessoas de realidades distintas da cidade para os debates, encontros, etc. E deixando as pessoas conversar e interagir talvez se conseguisse que algumas ficassem amigas. E aí sim temos o melhor instrumento para a coesão social, a amizade.


Hugo Mendes , Junho de 2008 - adaptado


Bibliografia consultada:

Curta-Metragem: “Lisboa – Capital do Nada”; Extramuros; 2001; Lisboa

Porto, Manuel Carlos; “Teoria da Integração e Políticas Comunitárias”; 3ª edição; Almedina; 2001

“Tratado de Nice”; 3ªedição actualizada; Almedina; 2006

http://ec.europa.eu/regional_policy/sources/docoffic/official/reports/pdf/p12_pt.pdf

http://poc.min-cultura.pt/new//components/com_docman/dl2.php?archive=0&file=OF9VR18yNk5vdjIwMDEucGRm

http://europa.eu/scadplus/glossary/economic_social_cohesion_pt.htm

“Orçamento da UE de 2008 – Mais fundos para o crescimento e o emprego; A Europa ao serviço dos seus cidadãos”; Comissão Europeia; Serviço das Publicações; 2008

Samuelson/Nordhaus; “Economia”; 12ªedição; McGrawHill

6 comentários:

Unidos na Diversidade disse...

Há sem dúvida coisas mais interessantes para ler...

Mas como ninguém mete conteúdos no blog achei por bem fazê-lo e perder aqui uma hora do meu sábado.

Tenham a bondade de dar um feedback!

hugo

HugoDM disse...

ninguém tem a bondade de ajudar...

HugoDM disse...

parece que nao..

Anónimo disse...

Estou a fazer um trabalho sobre a cultura como factor de coesão social e este texto deu-me a ideia de utilizar o projecto Lisboa Capital do Nada como exemplo. Obrigada por teres "perdido" uma hora do teu sábado.

objet perdu disse...

Olá aos participantes no blogue. Parabéns. Aqui Mário Caeiro, coordenador da Lisboa Capital do Nada - Marvila 2001. O evento decorreu essencialmente em Marvila e de facto, em qualquer documento meu ou oficial do projecto, o título completo é SEMPRE «Lisboa Capital do Nada – Marvila 2001». Esta associação conceito filosófico/lugar e data é evidentemente crucial para dinâmica do evento; para uma leitura cuidada dos conteúdos, aconselho o livro, disponível na editora ALMEDINA. Bem haja a todos.

Fréderique Fontana disse...

Ando à procura de bibliogrfia para fazer um trabalho sobre reabiltação urbana. Por acsso vim aqui parar, porque "A lisboa - Capital do Nada", foi um evento que sempre me interessou e que já estudei a fundo, mesmo para além do livro distribuido pela Almedina. Tenho a dizer sobre isso que o evento não se deve à iniciativa de uma pessoa em particular, mas sim de um colectivo que que teve a ideia, coordenou e desenvolveu o projecto. É um erro que tenho várias vezes. É verdade que existe um livro que foi editado por um dos participantes,designer gráfico que coordenou o livro, mas também é verdade, que por isso,além de ter assumido sempre o protagonismo do evento, personalizou no livro o evento que se deve ao colectivo da Associação Extramuros. O mesmo aconteceu com outros eventos da mesma associação, o que acabou por ditar o seu fim. O que é pena. O projecto acabou por ter seguimento com um outro chamado "Em Trânsito", feito com o apoio do Goetthe-Instituct e coordenado por
Marta Galvão Lucas e Daniela Brasil (ex. Extramuros): http://www.goethe.de/em_transito

Boa Leitura para quem se interessa por arte pública e que fique reposta uma verdade, se é que alguém quer saber disso!