sexta-feira, julho 13, 2007

“in varietate concordia”

de Fábio Vieira


Na verdade, as diferenças dentro do continente europeu são inúmeras e durante muitos séculos foram explosivas, originando guerras fratricidas. Contudo no actual debate sobre o futuro da Europa o verdadeiro desafio é encontrar aquilo que nos une e nos identifica enquanto povo europeu.
Tomando por base o lema da U.E consagrada no Tratado Constitucional Artigo I-8 “Unida na Diversidade”, tentaremos compreender se, de facto, existe ou não um tronco comum à identidade europeia.
Para justificar a unidade europeia teremos de olhar para a construção historico-cultural da Europa ao longo dos séculos, redescobrindo os grandes movimentos que fizeram a Europa que hoje conhecemos.
Seja qual for a confusão das palavras e das representações e realidades que elas cobriram ao longo dos séculos, existe hoje uma Europa. Existe, e está estabelecido um consenso que permite dizer-se o que ela é e quais são as suas principais características.
É preciso, em primeiro lugar, definir o espaço. Como porção do bloco asiático compreendido entre o Atlântico e os Urales e entre o Oceano Glacial Árctico e o Mediterrâneo, a descrição pormenorizada das suas fronteiras apresenta poucos problemas. Todavia estas fronteiras, para nós há muito adquiridas, são fruto de séculos de convulsões, avanços, recuos, guerras e alianças.
A identidade europeia começa a formar-se logo com o homem pré-histórico que povoou a Europa cerca de 35 000 a.C. .Cobrindo espaços que vão da região balcânica – onde existem os mais antigos vestígios de uma economia de produção – até às margens do Atlântico, “efectuou-se a colonização do solo europeu e alcançou-se, com ela, uma relativa homogeneização de géneros de vida”, afirma Jean Carpentier.
É nos séculos V e IV a.C. que nasce a democracia ateniense. Esta transformação acabaria por mudar a face do continente sendo ainda hoje a “mãe” da democracia europeia. Este clima de paz e prosperidade, que encontra em Péricles o seu grande impulsionador, gera um conjunto de homens que haveriam de dar uma matriz cultural que atravessaria durante todos estes séculos o imaginário europeu. Filósofos como Sócrates e Platão, artistas como Sófocles e Eurípedes, dariam à Europa um tronco comum de identificação cultural intemporal.
Roma começa ainda antes da queda de Atenas e aproveita a cultura e ensinamentos gregos, “tornando-se assim na primeira grande potência europeia dominadora” segundo René Rémond. Com o Império Romano e a Pax Augusta aquilo que hoje corresponde, mais ou menos, à Europa (exceptuando o norte de África), foi uniformizado pela língua, pelas instituições e por uma cultura em muito superior a todas as que subjugou. Roma acabaria, assim, por tornar-se o primeiro grande fio condutor, a primeira grande uniformização cultural daquilo que é hoje a Europa. Roma legou à nossa Europa uma serie de fundamentos jurídicos, institucionais e culturais que construíram indubitavelmente a identidade europeia.
Desde meados do século I, e alcançando um cume durante o governo de Constantino como Imperador Romano, a Europa testemunha a disseminação daquilo que se tornaria a sua grande base moral e ideológica que lhe conferiu a grande superioridade civilizacional sobre outras culturas e povos: o Cristianismo.
È no fim do século VIII com Carlos Magno, sob o baluarte de um império temporal justificado pelo império intemporal do Cristianismo, que a Europa toma a forma geográfica que hoje conhecemos. É também nesta época que a França e a Alemanha começam a ser o centro da Europa.
Favorecida pelos avanços tecnológicos nas áreas da comunicação e da imprensa rapidamente se espalhou pela Europa, como uma forte tempestade, a ideologia, as mudanças e a “nova ordem” da Revolução Francesa.
Rompendo com o Antigo Regime e dando à Europa o seu futuro, a Revolução minou também o passado moral europeu apregoando a vitória do individualismo, esquecendo a riqueza do passado colectivo europeu.
Mesmo assim, a Revolução varreu toda a Europa, acabando por influenciar muitas outras partes do globo directa ou indirectamente.
Após duas guerras fratricidas – se considerarmos que todo o continente possui afinidades muito fortes – a Europa foi chamada a relembrar o seu passado comum, a sua identidade comum, e a unir-se contra as divisões e as guerras. Assim, alguns Estados europeus criaram instituições comuns (no início de carácter económico, abrangendo posteriormente a política, cultura e finanças) a que delegam parte da sua soberania por forma a que as decisões sobre as questões específicas de interesse comum possam ser “tomadas democraticamente a nível europeu”, afirma a Comissão Europeia no site da U.E.
Tendo em vista a promoção de um sentimento de identidade europeia e não apenas nacional, por parte dos cidadãos dos países membros, a U.E propôs a inclusão nos currícula de uma dimensão europeia. Tal dimensão incluiu, numa primeira fase após 1988, a apreensão das raízes míticas, históricas e culturais da Europa e dos países membros. Contudo este objectivo pode ser catalogado como um falhanço, já que, tirando as elites, poucos são os europeus que tem noção desta nossa identidade comum que nos liga a Belgas, Alemães, Italianos, Portugueses etc. A fundamentação da Europa só pode ser feita com o consentimento e empenhamento de todos, envolvida num profundo reconhecimento e aceitação consciente da história e cultura que nos une, promovendo assim a unidade europeia do futuro que tanto nos interessa.
René Rémond é peremptório ao afirmar que “verificamos a existência de um fundo de ideias comum, em grande parte inspirado na Europa”, continuando “é o sinal que se constituiu uma vulgata que beneficia de uma espécie de consenso universal”.
Esta é a nossa Europa, com grande diversidade sem dúvida, mas com uma história que desde os tempos mais remotos foi ligando nações, principados, monarquias, feudos e repúblicas, gerando assim uma identidade comum.
Portugal tem o dever de aproximar os portugueses da Europa na actual presidência. É uma oportunidade que terá graves repercussões se não for devidamente aproveitada.
Porém é legitimo questionar se esta identidade será suficientemente forte para formar um país único.

(texto enviado para o email eeuropeus@gmail.com)